Descobri o Twitter num auditório, cercada de nerds por todos os lados. Instalei no celular, comecei a usar, me apaixonei. Escrevi aqui, tentei ensinar a usar. Usei para espalhar acontecimentos, reunir pessoas. O Twitter foi a espinha dorsal da comunicação na realização de BlogCamp, LuluzinhaCamp, outras mil reuniões.
Sonhei que a ferramenta seria realmente a pracinha onde a gente sabe das notícias, das fofocas, encontra namorados, casa, tem filhos. E isso também aconteceu. Conheci muita gente, fiz amigos, viajei pelo país – e para fora.
Usei para militar, “lutar” por coisas que acredito. A ferramenta foi evoluindo, surgiram mil possibilidades graças à API aberta, a gente grudava Twitter facinho no blog, agregava hashtags, balançava a rede com gosto.
Esses movimentos históricos da internet são fluidos e mutáveis. Se você conversa com uma testemunha ganha um relato. A pessoa vizinha, que estava lá também, te dirá uma coisa totalmente diferente. E só é possível conhecer o todo conversando com cada um que estava lá.
Tem como entrevistar milhões de pessoas que usam uma ferramenta? Não, né? Então aqui vai o meu testemunho, recheado de boas e más lembranças. A esperança é que essa memória ajude as almas que eventualmente caem aqui a entender o que foi que aconteceu.
No início era a baleia. Twitter, Tweet, a baleia que conseguiu voar… A gente ainda usava os grupos de e-mail – no Yahoo!, que também já morreu, e no Google – para trocar experiências. Era naquele submundo em que se chegava pelo boca a boca, por afinidades, a blogueirada se reunia, conversava sobre SEO, ferramentas, plataformas.
No Twitter, a coisa era precária. Se houvesse muito uso, lá vinha a tela com a baleia. Aí nos grupos ou no Gtalk (ainda não existia WhatsApp ou Telegram) era só: twitter baleiou? Ainda não existia Down for Everyone. Baleiar virou sinônimo de servidor caiu. E caía mesmo. Mesmo assim, o povo começou a descobrir a pracinha. As conversas rolavam soltas, pessoas se conheciam, a gente conversava, se relacionava, trollava, acompanhava shows. Daí surgiram as hashtags. Através delas, era possível encontrar tudo (ou quase) sobre um evento. A busca era eficiente e permitia pesquisas, acompanhamento de tendências e movimentos.
Naquele começo, poucas empresas agiam por lá. Mas há lembranças fortes. A primeira que me ocorre foi um experimento da TV Cultura, na época do Paulo Markun, que integrou os meios. Juntou TV com YouTube, Twitter e Flickr… A cada programa, a produção trazia três twitteiros relacionados ao entrevistado pra comentar o programa enquanto ele acontecia… A hashtag #rodaviva talvez tenha sido a primeira da TV aberta brasileira.
Além do papo furado e do dia-a-dia – inesquecível pra mim o querido Jânio Sarmento dizendo tocofome – havia as notícias, a militância, o bate-boca. Era no Twitter que a gente agitava eventos, combinava Nerds on Beer, encontros. Os jornalistas começaram a chegar e transmitir notícias, fazer apurações, encontrar personagens para matérias. Enquanto isso, pessoas estudavam a rede, faziam grafos, explicavam como as influências se espalhavam.
Sempre houve trolls, pessoas do mal, violência, roubo de perfis… Gente que caía de paraquedas e analfabetos funcionais que davam muito trabalho. Tudo em 140 caracteres, vejam. Era divertido, informativo, funcionava.
E não decolava o negócio. A influência do Twitter era gigante, uma fonte preciosa de informação, um jeito de levantar bolas e assuntos, de divulgar conteúdo, vender coisas. Para o usuário, o Twitter era precioso, mas como negócio não andava “como deveria”. Não tinha os bilhões de usuários, não conseguia gerar lucros astronômicos para os acionistas, como o Google-Alphabet, Amazon, Facebook e seus filhotes. Mudaram CEOs, fizeram piruetas mils e… tudo continuou como antes no quartel de Abrantes.
Foi no Twitter que surgiram as expressões Fica a Dica, Não sabe brincar não desce pro play, lacração, cancelamento… Durante a pandemia, antes da Space Karen, era um espaço fundamental de luta, informação científica, encontros. Também foi o lugar onde a gente salvou a democracia brasileira, apesar do 8 de janeiro e todas as outras violências cometidas pelos extremistas.
Aí Space Karen entrou em cena. Foram meses de tensão até que ela entrou com sua pia (SINK IN, expressão anglo-saxã para entrar, tomar conta, mergulhar). Vieram as demissões. A mudança de nome – É TWITTER, POHA! Gritamos nós que estamos lá desde 2007. Então começaram as mudanças: fechou APIs, criou a assinatura, tirou o Twitdeck dos não pagantes, zoou para todo o sempre as marcas de verificados.
Quando começou a transformação, a tristeza me invadiu. Como se fosse a morte de um amigo querido. Com as novas mudanças, quem não paga não é visto, não há a menor chance de viralizar e alcançar mais gente. Fico sabendo que a rede hoje é muito usada pela extrema direita pra espalhar seus absurdos. Sempre foi, na real, e eu graças a deusa nunca vi – ou vi raramente. Ainda é uma rede relevante? Aparentemente, sim.
Na internet, alternativas nunca faltam. Sempre há diversos serviços lutando para conquistar usuários e atenções. A primeira alternativa ao Twitter tinha apoio de Jack Dorsey, um dos fundadores do passarinho, o BlueSky. De logotipo tosco na fase beta – era um céu azul com nuvens – a uma talvez possibilidade hoje na versão borboletinha.
As redes federadas – redes sociais abertas, que se comunicam entre si – eu já tinha visto, mas são mais complicadas de usar. O BlueSky pretendia facilitar isso aí. Há um grande número de refugiados, eu inclusa, por lá, principalmente por conta de ser uma iniciativa de um dos fundadores do Twitter. Como disse o amigo Roney Belhassof, já colocaram três caminhões de dinheiro e ainda não federaram.
Eu saí caçando rede pra todos os lados. Levei dias pra entender como o Mastodon funcionava, conseguir um servidor, descobrir o jeito de usar a interface. Consegui uma vaguinha no servidor da Ursal e hoje sou uma mulher que só aparece no Twitter quando chove bolo, acontece um grande desastre ou grandes eventos, porque “as pessoas ainda continuam por lá”.
Tenho visto muitos amigos de internet usando muito o Threads, outra rede a ser federada, criada pelo Facebook, e o próprio Instagram. Apesar de também estar nelas, uso quase nada. No Threads acho que nunca escrevi. No BlueSky (que tende a virar BS – entendedores entenderão) pouquíssimas coisas.
Hoje a plataforma do Twitter, já renomeada e enlameada pelo bilionário não existe no meu horizonte informacional. A conta está lá, mas não falo quase nada, converso pontualmente com pessoas amadas. E a vida segue na Ursal, meu servidor no Mastodon, que eu chamo de elefantinho (@lufreitas@ursal.zone é o endereço para colocar na busca). Lá a gente conversa tranquilamente, faz coisas bonitas e fica gestando uma revolução…
É isso, minha gente. O Twitter virou uma piscina radioativa e a internet anda dominada pelas big techs. O sonho de um mundo interconectado, produzindo coisas belas e lindas para salvar o planeta continua pulsando, em muitos cantos, grupos pequeninos, e vai sendo nutrido por muitas pessoas do bem que seguem plantando futuro no mundo digital.