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28
mar
2012

Relembrei porque me auto-excomunguei da igreja #rodaviva

@lufreitas por Paulo Caruso

Quando a galera do Roda Viva me convidou para ir tuitar lá no programa eu fiquei feliz. Aí descobri que era uma entrevista com Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo. E pensei: isso não vai prestar. Eu, que nasci católica e já me auto-excomunguei há tempos, me declaro ateia sem medo de ser feliz e tenho alergia às batinas tuitando? Isso não podia dar certo!

Não deu. Graças à TIM que estava sem serviço, ficamos sem internet no Estúdio D. E o sinal do meu celular, tadinho, não deu conta da minha indignação. Lá embaixo enquadrados, estavam Sandra Duarte Souza, estudiosa de Teologia, da Universidade Metodista, onde estudei; Fernando Coelho, poeta e jornalista; o Reverendo Aldo Quintão, da Igreja Anglicana; Ivan Martins, da Época; e Luciana Garbin, companheira do Estadão.

Como não havia internet, eu abri o word e sentei a pua nos pensamentos e sentimentos que foram me navegando durante as duas horas de programa. Tive o desprazer de ter contato com uns católicos fervorosos na minha timelinda. E descobri que, sim, este povo também está solto na internet junto com a gente. [Reflexão aleatória: ainda bem que existe block nesta vida, né?]

Abaixo, trechos das minhas anotações. Editados e suavizados, porque eu tive, inclusive, que tomar uma metadinha de Frontal pra conseguir me acalmar. O saldo positivo da noite? Conhecer a Sandra e o reverendo Aldo, duas figuras questionadoras e inteligentes. Reencontrar a Luciana Garbin, repórter de primeira que hoje é editora de Cidades e do Metrópole lá no Estadão. E rever a galera da Cultura que sempre é querida.

Falar de religião, no dia de hoje (26 de março), comentar e ouvir histórias, vai ser engraçado. Eu só consigo acreditar em mim mesma, nas minhas forças, e na Deusa. Esta história de deus theo macho me encheu os pacovás há tempos… Prefiro a natureza, eu mesma, a ciência. E saber que eu volto pro mar de moléculas de onde vim e que existe desde o BigBang.

No meio das ondas brancas, Dom Odilo Scherer, representou de tudo o que mais combato nesta vida: os homens de preto, que no final das contas mandam no mundo – e influenciam, sem ter o menor direito – as políticas publicas que afetam a vida de milhões de mulheres.

Em compensação, antes de irmos para o estúdio, conheci o reverendo Aldo Quintão, e foi sensacional. Defendeu a descriminalização do aborto, entregou revista da ESPM e livro sobre a Igreja Anglicana, mais cartão de visita. E me disse que não, não sou ateia, sou agnóstica. Ah, então tá, então! Deixa eu ser ateia, Aldo! 😀

Eu quase ia embora quando descobri que não havia internet, mas o reverendo Aldo me animou. Se ele conseguir espaço, isso pode virar um programa interessante – no mínimo para a mulherada encontrar homens que não compactuam com a matança e criminalização das mulheres.

Em vez de #bonstuites, sai um bom texto no capricho, ao sabor do momento. Na roda 3 homens entrevistando, duas mulheres. Será que vão espremer este cara? Porque a pergunta de “esquenta” já foi logo sobre o papa, cujo nome não se pronuncia neste blog.

Mario Sergio Conti antes do programa começar...

Mario Sérgio apresentando é ruim de bola. Ô nego que não sabe xongas de TV. Saudade do Heródoto, simpático e conversadeiro como ele só.

Como o reverendo Aldo previu em nossa conversa, Dom Odilo escorregou – e bem feiamente, em minha opinião, deixando as perguntas sem respostas ou abusando dos dogmas que, acredito, são o grande calcanhar de aquiles da igreja, a grande razão de quem precisa de religião ir pra outras bandas.

Igreja Católica no século 21

Pergunta: O IBGE mostra a queda dos católicos e o crescimento dos evangélicos. Claro que o cardeal disse que a pesquisa estava errada, que os números não são estes, que hoje já não é mais “pejorativo” (ele não usou o termo, ok?) não ser católico… E pra culminar a “coerência” cantada e apoiada por seus “ceguidores” nas redes sociais (gente que não pensa por si, só pode): “a proposta da igreja católica é muito exigente, por isso as pessoas abandonam”.

Ah, tá, a gente é que é fraco, né? Acorda, cardeal! Meu recado? Eu não tô a fim de ser castrada. E a tua religião (e muitas outras) castra a mulherada no mais básico. A Sandra foi direto neste ponto: a diminuição do número de mulheres católicas. Ele não respondeu. Eu conto procês: é duro não poder fazer nada na Igreja. A gente é menos que coadjuvante, meras ovelhas e, pior, somos tuteladas e malditas desde sempre, porque vejam, sem Eva não tem pecado. Adão? Não, ele é vitima!

Contrário às técnicas de comunicação de massa (e produção de milagres) dos “evangélicos” (isso é genérico que dói), ele diz que não, os católicos não fazem. Têm lá a sua meia dúzia de rádios e TVS – chatas de doer, diga-se. E ponto.

Fernando Coelho levantou uma questão ótima – que remete à história da Santa Madre (que de santa só tem o nome: já matou e mutilou, segregou e discriminou à vontade ao longo destes últimos 20 séculos): Salvador. A Igreja da Irmandade dos Homens Pretos do Pelourinho, cuja construção exigiu 95 anos do século 18, totalmente feita escravos e negros. Enquanto isso, nos 300 anos seguintes, a santa igreja perseguiu, de braços dados com a polícia, os negros e o candomblé. Que não, não têm emissora de rádio, TV ou jornal, muito menos patrimônio arquitetônico.

Mais uma não resposta. Peixe escorregadio, como disse o reverendo Aldo.

A descriminalização do aborto

[foi este pedaço do programa que pediu a medicação de emergência. Sem o Frontal eu provavelmente ia colocar meu instinto selvagem em prática e perder a compostura]

Calmante pra não ter um treco

O reverendo Aldo, a certa altura, conseguiu entrar na roda dos perguntadores. Colocou os números oficiais, que foram divulgados mundialmente pela ONU (Dom Odilo, os números são uma estimativa do Ministério da Saúde): um milhão de abortos clandestinos, com 200 mil mortes de mulheres decorrentes de complicações. Dom Odilo provou que precisa voltar para a escola, porque saiu somando as duas cifras. Mais que isso (faz-me rir, mas é de chorar), ele teve a pachorra de duvidar que 200 mil mulheres morrem e ninguém faz nada a respeito do assunto. O número é pura propaganda de quem quer descriminalizar o aborto, viram?

Sandra aproveitou a onda e apresentou um caso verdadeiro: menina de 10 anos, violentada pelo tio, engravidou. E foi acadêmica como devia: As mulheres têm socialmente corpos mais regulados. Inclusive pelas religiões, a tradição cristã tem uma prática histórica de regulação dos corpos das mulheres. Como a Igreja acompanha estas mulheres?

Segundo o cardeal, há serviços de acompanhamento para as mulheres em dificuldade e aconselhamento. Aconselhamento adivinha pra quê, né? Ficar com o estorvo até o parto (a menina tem 10 anos, meu Deus). Ele se indignou com o tio criminoso? Não, nem piscou! Com o sofrimento da menina? Também não. Porque vejam, a vida do inocente feto é muito mais importante que esses fatos… ¬¬

Quando o Ivan Martins levantou a questão de impor a doutrina dele aos outros que não compartilham dos mesmos princípios, a resposta foi ainda mais revoltante: A lei é a representação da maioria. UH! Resta lembrar que os nossos caros deputados federais são eleitos com votos proporcionais e não representam NENHUM DE NÓS, CIDADÃOS. Isso é fato. A gente consegue pressionar? Sim, às vezes. Lembre-se também, que mulheres são minoria (pra não dizer elefantes brancos) no Congresso Nacional.

Em tempos de revisão do Código Penal, a questão ruge, né? E quando a Luciana Garbin colocou a história na roda, o homem de preto não teve dúvidas: oras, se o parlamentar é católico ele TEM que seguir os princípios da igreja.

Mais um alerta vermelho: se você é a favor da descriminalização do aborto e acredita que mulheres são cidadãs, nunca vote num católico confesso. Ele não vai te representar, mas sim aos princípios católicos. Tive uma ideia: que tal se todas as mulheres dos parlamentares fizessem greve de sexo até que o aborto seja descriminalizado? Duvido que elas topem.

Quando o Ivan levantou a questão dos fetos anencéfalos e do sofrimento que a manutenção da gestação causa a todos, o argumento é o de sempre: e o inocente? Se a gente permitir isso vamos ser como os nazistas, já já vamos abortar deficientes e por aí vai. Já que a TV não conta a história direito, a blogueira aqui faz questão de mostrar como é a vida de uma mulher nesta situação. E, neste caso, a culpa nem é da Igreja, mas da nossa Justiça.

Acorda, Cardeal! Tem muita mulher que, apesar da dor, quando descobre que seu filho é deficiente aborta. Só o senhor não está sabendo? E muitas outras seguem em frente, com a alegria e amor que têm. O sinhô jura que não sabe que um aborto (mesmo legal) machuca a mulher? Que nenhuma de nós quer se ver nessa situação? É a decisão mais dolorida, mais difícil, mais impossível!

Prestenção na hora de votar, gente

Sandra Duarte Souza e reverendo Aldo, os meus herois na Roda

A fala do ser contra a camisinha é de dar engulho. “Violência sexual é aberrante. É incentivada pela difusão da camisinha” Não, a violência contra a mulher não é resultado de uma estrutura machista e repressora, como a igreja católica pratica e reproduz há séculos. Loucura imaginar tal coisa.

Todas as premissas lógicas de discussão, como “oras, proibam para os seus fieis e deixem o mundo em paz” têm uma resposta pronta. A da vez foi: somos um sujeito social e temos direito à expressão – e perseguir o objetivo de que todos nós sejamos submetidos às suas regras de comportamento, por consequência.

Ah, teve outra tirada ótema, quando o dom cardealis falou o seguinte: a natureza fez a coisa como tem que ser: homem e mulher. Esta história de homoafetividade não vale. Ah, então tá então. Somos seres naturais, agora, porque interessa. Na hora do sexo, nem pensar! Perdoa, senhor, porque ele não sabe o que diz. (E o cartum do Paulo Caruso sobre esta fala merece Prêmio Nobel).

Daí pra frente, gente, confesso que desisti. Parei de prestar atenção, fiquei possuída pela falta de internet e tentei relembrar da Lua sorrindo pra Vênus que estava no céu mais cedo. Porque só abstraindo para não ter um ataque de raiva ou uma convulsão babante.

Quase ri alto, confesso, e aplaudi o reverendo Aldo que levou pedido de socorro da Santa Casa de Misericórdia de Santo Amaro ao chefe da mesma e lembrou ao mesmo que Cristo nunca negou comunhão a ninguém – e foi um baita feminista na sua época, lembrei, pensando em Maria Madalena e na mulher que seria apedrejada.

Saldo da noite: cansei. Surtei. Fiquei mais triste ainda. Temos um caminho gigante para chegar à tão sonhada igualdade de direitos (duh, eu já sabia) e seres como aquele homem de preto, estarão à nossa frente. Com um batalhão de seguidores tão cegos e intolerantes quanto. Nenhuma diferença entre ele e os fundamentalistas islâmicos que submetem as mulheres à mutilação genital. Nenhuma diferença entre ele e os tantos outros criminosos da religião que estão à solta neste mundo, dizendo que pregam a palavra de deus.

Deus é amor, compaixão, dedicação ao próximo e à sua dor. E Cristo, Filho da Deusa, deixou isso muito claro, com todas as letrinhas (editadas pelos homens de preto, claro). Por isso, cuide bem de qual bíblia você tem em casa: eu recomendo a de James – que, se não me engano é a usada pelos anglicanos.

Atenção: o texto acima ampara-se no direito fundamental à manifestação do pensamento, previsto nos arts. 5º, IV e 220 da Constituição Federal de 1988. Vale-se do “animus narrandi”, protegido pela lei e pela jurisprudência (conferir AI nº 505.595, STF).

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