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30
maio
2009

Viver sem tempos mortos

Viver sem tempos mortos

Ninguém nasce mulher, nos tornamos mulheres – Simone de Beauvoir (1908-1986)

Ingressos esgotados. A simultaneidade de uma mesma matéria sobre duas mesas diferentes. Um e-mail em cima da hora oferecendo dois ingressos. Confesso: convidei cinco pessoas diferentes até chegar à companhia para o teatro. Uma mulher que talvez tenha passado ao largo da revolução de Beauvoir, mas que se emocionou e compreendeu cada pedaço da liberdade, de seus custos, da solidão, da busca de uma vida íntegra. Estes são apenas alguns pilares de Simone, a mulher.

“Viver sem tempos mortos” é o centro do projeto “Caminhos da Liberdade”, baseada em trechos de cartas e notas autobiográficas de Simone de Beauvoir. Começou como um projeto conjunto de Fernandona com Sergio Britto (que escolheu outro rumo) e ela seguiu com o apoio de sua produtora, Carmen Mello. Parte do material de pesquisa está no lounge dos teatros onde o projeto será apresentado. É lindo! Fotos, textos, vídeos. Cria ambiente para o que virá. E, por um acaso, o projeto foi transferido para 2009 e faz parte das comemorações Franco-Brasileiras.

Todos os assentos ocupados. Um palco escuro, uma cadeira e luzes perfeitas conectam cada cadeira diretamente à Fernanda/Simone que se senta. História flui em gestos precisos e na voz clara que chega a cada um pela aura de luz pura que está no centro do palco e conecta corações e mentes a frases emocionantes, fundantes, humanas. Houve um trecho que refletiu especialmente as discussões sobre o feminino e a maternidade que estão sempre lá no LuluzinhaCamp sobre o feminino, a questão do casamento, dos filhos, da constituição do feminino. Impossível relembrar direitinho. Mas Simone soube disso antes de prestar concurso para professora na Faculdade.

Do início ao fim, uma platéia quase silenciosa – tosses de sempre e um celular que insistiu em tocar duas vezes – e uma conexão mágica com a sensibilidade e majestade de duas em uma mais que esplendoroso. As frases precisas, as músicas perfeitas (só pra começar e terminar) mais a sensação de saber de onde vem meu ser feminino-libertário (e mais careta que o da Simone, que aprontou muito mais nos anos 20/30/40/50/60/70/80).

Ligada aos existencialistas – principalmente ao seu amor, Jean Paul Sartre, com quem viveu sem se furtar a outros e novos amores, paixões e dores -, Simone nos conta como surgiu seu principal livro, “O Segundo Sexo” (1949), entre outros depoimentos tocantes.

Além da frase que começa este post:

“Eu recurso a me fechar em um gueto feminino. Culturalmente, ninguém nasce mulher, mas também é verdade que não se nasce homem. A virilidade é também uma invenção cultural.”

“Não espero que as mulheres simplesmente tomem todo o poder dos homens para elas mesmas, porque isso não modificaria nada. O que defendo é que as mulheres devem ser entendidas por parâmetros próprios, que não são os mesmos dos homens.”

A perfeição do espetáculo está em falar de amor, sexo, erotismo, relações que se estabelecem entre corpos que pensam, sem as pré-formas do social, com uma abertura que permite afetações profundas, sentimentos vividos em sua maior profundidade, com uma realidade que só uma atriz como Fernanda Montenegro pode transmitir.

O resultado? Dez minutos de aplausos em pé. Uma onda de perfeição que simplesmente arrebata, emociona, faz o mundo um tantinho melhor. Porque existem mulheres como Fernanda Montenegro, Simone de Beauvoir e a Francisca, que poucos conhecem, mas também está na luta.

A dominação entranhada culturalmente em nossos corpos ainda está aqui. Eu a encontrei, enquanto reverberava em mim a liberdade e suas escolhas, na fila do estacionamento, em forma de perua botocada, que falou mil bobagens – coisas do tipo: onde já se viu “orgias”? Como se fala de sexo, erotismo e amor desta forma escancarada? É o fim! Minha companheira tinha energia para deixar-se misturar com bobagens. Eu tratei de acender um cigarro, sair de perto e celebrar, em plena solidão do cimento e do vai e vem dos carros, a existência de duas mulheres sensacionais: Simone de Beauvoir e Fernanda Montenegro. E celebrar a liberdade solitária de fazer escolhas e seguir meu próprio rumo nesta vida.

Este post é dedicado à equipe de comunicação da Mapfre Seguros, que garantiu aos seus blogueiros este privilégio. E a todas nós – feministas, femininas, mulheres – que seguimos em busca de nossa libertação. Às botocadas, mais botox.

Serviço:

Viver sem tempos mortos – Até 28 de junho, no Teatro Sesc Anchieta, quinta e sexta, às 21h; sábado, às 20h, domingos, às 18h. Ingressos: esgotados.

Todas as quartas-feiras, até dia 24 de junho, haverá a exibição do documentário inédito “Simone de Beauvoir, uma mulher atual” (2008) – 52min, de Dominique Gros, sobre a escritora e filósofa francesa Simone de Beauvoir, seguido de palestra e debate com o professor Jorge Coli, da Unicamp, e presença da atriz Fernanda Montenegro. Teatro SESC Anchieta.

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mulher

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