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30
set
2009

Restos: um monólogo amoroso

As luzes apagam. Escuridão total por algum tempo. Pisca-pisca no teto dá a sensação que você alucinou. Quando você tem vontade de se mexer na poltrona, um foco suave ilumina Antonio Fagundes, cigarro em punho – que logo é aceso. E lá vem a melhor história de amor que ouvi nos últimos tempos. Na resenha que li, algo tipo “a história de Edward Carr, que fuma muitos cigarros no palco” (foram dois acesos e duas ameaças na apresentação de quinta, dia 24 de setembro). O texto de Neil LaBute (sim, Wiki em inglês que ninguém merece a galera da Wiki_pt) é simplesmente sensacional. Foi exatamente por isso que Antonio Fagundes o escolheu para voltar aos palcos. Infelizmente o incêndio do Cultura Artística o fez buscar outra casa, o Teatro FAAP, onde ficará em cartaz até o fim de novembro.

O convite veio do Eric Messa e, depois da sessão de quinta, também pude conversar um tanto com o produtor-ator-empreendedor Antonio Fagundes. Ao contrário da minha mãe – que fica assanhada só de ouvir o nome deste senhor – eu o acho um ótimo ator que me ensinou montanhas. A primeira peça sua que assisti foi Morte Acidental de Um Anarquista, de Dario Fo, no TBC. Depois vieram Cyrano de Bergerac e Nostradamus (no meu currículo, o dele é bem mais intenso e extenso).

Este homem (cheiroso, diga-se) tem a minha admiração por produzir suas peças do próprio bolso desde sempre. E não tem medo de enfrentar seus interlocutores. Quando enveredei pelo caminho “teatro está caro” ele me rebateu na hora: “eu te falo 10 espetáculos a menos de R$ 5 agora”. E ainda deixou muito claros os números do setor: os ingressos estão 6% menores que há 10 anos atrás, enquanto os custos de produção subiram junto ou mais que a inflação, na ordem de 300% ou 400%. Ô Brasil! Para completar, segundo Fagundes, o grande mal para a produção cultural brasileira são os incentivos culturais. A razão é quase óbvia: quebra de relação entre o espetáculo e o público.

Outra coisa que “quebra as pernas” dos espetáculos são as meias-entradas. Sim, 90% do público, hoje, paga meia. Imagine o que isso significa para pagar uma produção num teatro com 500 lugares. Haja economia para bancar boas peças, cenário impecável e dinheiro para os atores. “O meu pro-labore volta direto para a produção”, já nos diz Fagundes, sem piscar. E ele tem um orgulho claro de fazer tudo sem dinheiro de ninguém. O que, cá entre nós, é muito bacana.

Um macho claramente dominante? Sim. Talvez o sorriso e a clareza, bem como a fluência para falar de autores, histórias, produções com uma consistência própria dos 43 anos de carreira, me fizeram sair do teatro para a noite gelada pensando sobre histórias de amor, produção cultural, as minhas muitas boas memórias teatrais, uma certa graça com o jeitão de Deus (Deus é Brasileiro, afinal) e uma certa curiosidade de assistir o tal “Em Companhia de Homens” também do LaBute, que Fagundes citou durante a conversa. E isso, claro, me traz de volta às histórias de amor.

Serviço
Restos
Teatro FAAP – R. Alagoas, 903; tel.: (11) 3662-7233
Direção: Marco Aurélio, Texto: Neil LaBute. Com Antonio Fagundes.
Quintas e Sextas: 21h; Sábados: 20h; Domingos: 18h
Ingressos: R$ 100,00

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Categorias:
arte, Brasil

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