Hoje é Dia de Luta pela Descriminalização do Aborto na América Latina e no Caribe. E este post faz parte da blogagem coletiva pela legalização do aborto convocada pela @A_line_. Se você é contra, por favor, vá passear em outro lugar.
Aqui na classe média a história nem é tão feia: você junta alguns milhares de reais, faz a ligação para a pessoa certa e descobre a clínica que vai te ajudar. Dói como o diabo – antes e depois – não no corpo, mas na alma. Nenhuma mulher aborta (volitiva ou espontaneamente) impune. Pagamos, sim, um alto preço pelo procedimento. Não é espiritual, não é castigo, não. É que mulher, vocês sabem, foi feita pra parir. Interromper o processo tem um custo.
O que eu sei do assunto é o que vejo: hipocrisia. Enquanto o bispo e o padre falam contra, a galera no banco da igreja vai lá e faz. O político não passa a lei pra liberar, mas a filha dele, se engravidar, vai lá na clínica bacana e faz. Se esfolam as mesmas de sempre: as mulheres que não tem creche, que não tem seguro saúde, que encaram horas de fila para não conseguir tratar o bebê doente. Caso esta mulher tenha uma amiga inteligente, algum dinheiro e não deseje este bebê imprevisto, usa o medicamento, provoca o aborto em casa e, quando a dor bate lá nas alturas, corre para o pronto-socorro e alega um aborto espontâneo.
É duro escrever sobre isso. Primeiro porque a gente caminha no fio da navalha – não podemos incentivar a prática ilícita, mas temos o direito de pedir pela sua descriminalização. Segundo, porque não há reflexão, apenas dogma. Não importa que o Ministério da Saúde diga que são feitos 1,4 milhão de abortos por ano no Brasil. Nada abre os olhos de gente hipócrita. E, acima de tudo, porque cansa na alma repetir, repetir e repetir a mesma coisa e não ter ouvidos a escutar.
E do auge do cansaço, de última hora, é preciso seguir lutando. Porque nós mulheres temos direito a escolher o que fazer com o nosso corpo e com a nossa vida. Num país em que a maioria das famílias é chefiada por mulheres, mais ainda. Num país em que 74 mulheres sofrem de violência doméstica todos os dias, também. Este país se chama Brasil e mantem as suas cidadãs sob ameaça de prisão e sem atendimento médico decente. Porque é machista, violento e não preza a vida de seus cidadãos – todos, sejam eles homens ou mulheres.
Às vésperas das eleições, aviso aos navegantes: o único candidato à presidência que diz em alto e bom som que é a favor da descriminalização é militante católico e atende pelo nome de Plínio de Arruda Sampaio. Perdemos mais uma batalha, mulherada. Mas a guerra ainda não acabou.