Eu, feminista declarada e não filiada a nenhuma corrente ou grupo, venho por meio desse texto tentar pensar em público os efeitos dos penúltimos escândalos produzidos e discutidos pelo feminismo internet afora.
Semana passada aconteceram dois episódios que colocaram muitas de nós para pensar ali no cantinho sobre o feminismo e o movimento que estamos produzindo em rede. A lista dos links está no final do texto. Primeiro, o relato de uma “ficante” do Aziz Ansari em que ela conta a violência que o humorista famoso cometeu. Depois, Margaret Atwood sendo criticada por assinar um manifesto que defende um professor acusado de assédio.
A onda de insurgência e denúncia que avança solta nas redes todas mostra o quanto estamos cansadas e conscientes das violências grandes e pequenas que nos marcam todos os dias. A cada visita – seja ao Facebook, ao Twitter e até mesmo aos grandes portais – há mais uma. São casos de estupros, violência sexual, assédio, discriminação no trabalho e nas entrevistas de emprego…
Se os movimentos são cheios de tags – do #MeToo ao Time’s Up; do #primeiroassedio e #amigosecreto ao #MulheresnoTrabalho – também são recheados de diferenças. Quando você navega pelo feminismo, elas aparecem e é lindo. Há as lésbicas, as transexuais, as cis, as negras, as periféricas. São movimentos diferentes, que lutam por conquistas diferentes.
Todas somos mulheres. Todas somos discriminadas. Umas mais, outras menos – e a diferença nem sempre é clara.
De dentro das bolhas dos privilégios uma boa parte deve estar chamando a denúncia contra Ansari de histeria. Como bem notou a moça do The Atlantic, para mulheres que cresceram nos primeiros anos de liberação sexual, não se defender de violências eventuais durante o sexo – mesmo quando consentido – é algo inimaginável.
E, sim, a gente aprendia a levar o dinheiro do táxi, a ter rotas de fuga, a dar tapas na cara dos moços, a escapulir e fugir.
Todavia, entretanto, contudo… Sabemos todas, infelizmente, que violências durante o sexo consentido acontecem, sim. Até mesmo com parceiros de longa data, em relações recheadas de afeto. Quando brota a história de Grace (pseudônimo usado para proteger a moça), muitas de nós percebemos que não estamos sós, que a violência segue se repetindo, que a única solução é mesmo educar e transformar tudo.
Enquanto a manhã ensolarada com que sonhamos não chega, há que lidar com a realidade. E a real é que se ninguém falar, nada muda, tudo segue como sempre foi. Do 180 a site específico para contar assédio em carnaval, todas as ferramentas estão em campo para tentar mitigar a violência. Inclusive as hashtags e as denúncias.
Aqui entra a questão que Atwood levantou no seu texto-defesa (Sou uma má feminista?, tradução livre): se a gente perde de vista o processo justo e começa a praticar justiça “com as próprias mãos”, a civilização como a conhecemos se perde. E a gente pode abrir caminho exatamente para as distopias ficcionais que Atwood produz tão bem.
Eu não curto muito a justiça brasileira – acho lenta, ineficiente, cheia de formalidades, burocracias e furos que permitem impunidade, principalmente de quem tem dinheiro para financiar a lentidão. Tenho certeza que dá pra melhorar e sei que existem advogados e até promotores e juízes que trabalham na direção da transformação.
E também acredito que se não for através do respeito, da compreensão e da justa punição legal, a gente volta à idade da pedra. E toda essa luta da mulherada é exatamente para sair da idade da pedra. Todos os feminismos lutam por igualdade, os mesmos direitos, liberdade e a transformação de estereótipos que só fazem servir de grilhões para o presente e o futuro.
Espero que a gente continue a falar. E que as acusações cheguem aos fóruns do direito institucional. Porque eu tenho certeza que a Margaret Atwood tem um ótimo ponto: a gente não pode jogar o bebê fora junto com a água do banho.
Os links que deram origem ao texto (todos em inglês)
https://babe.net/2018/01/13/aziz-ansari-28355
https://www.theatlantic.com/entertainment/archive/2018/01/the-humiliation-of-aziz-ansari/550541/
https://www.theglobeandmail.com/opinion/am-i-a-bad-feminist/article37591823/
bônus track: Comment is free, do The guardian: https://www.theguardian.com/commentisfree/2018/jan/21/aziz-ansari-metoo-sexual-equality
Fotos: minhas, na #8M, a marcha das mulheres, em 2017