Texto do Luiz Chagas, jornalista e músico, que tocou com o Gigante e o Itamar na Isca de Polícia, publicado na revista Brasileiros e devidamente afanado com consentimento do autor! Nossa música ficou muito mais triste…
Em 1983, quando substituiu Osmar Santos no programa Balancê transmitido pela Rádio Globo, Fausto Silva vivia convidando a banda Isca de Polícia, de Itamar Assumpção, para divulgar seus shows. Tanto o apresentador quanto o lendário sonoplasta Johnny Black eram apaixonados pelo baterista Gigante e seus solos de “buchesom” – que criava batendo a ponta dos dedos nas bochechas e usando a boca para modular os sons (foto ao lado). Faustão criou um bordão,”o Gigante não tem esse nome porque é grande. Mas porque é gigante”.
Jorge Luiz de Souza, o Gigante Brazil, é carioca da Mangueira, onde nasceu no dia 25 de abril de 1952. Ele jura que viu o “Mineirinho”, o bandido que virou uma espécie de Robin Hood, seqüestrar caminhão de leite e distribuir para a molecada na favela. Chegou em São Paulo acompanhando Jorge Mautner e logo estava tocando percussão na banda Sindicato. Mesmo ao lado do baterista Edu Rocha, do contrabaixista Zé Português, do guitarrista Tadeu Passarelli e de outras feras, era impossível desviar os olhos daquele cara. Ele tocava com o corpo, os braços pareciam asas, cantava num grave que parecia vir de outra dimensão, entrava em transe e arrastava o palco e o público junto. No dia em que entrou na banda Isca eu falei “cara, eu sou seu fã” e ele com os dentões separados lascou “pára com isso, tio” – para ele os homens eram tios ou compadres, as mulheres comadres ou princesas. Eu e a torcida do Flamengo (ainda é a maior?) somos fãs. Quando entrei no camarim da Marisa Monte no ano passado alguém falou que eu tinha tocado com o Giga e ela – ai meu Deus, Ela! – largou todo mundo e veio me abraçar. “Ensaboa, mulata ensaboa” os dois cantaram juntos um dia.
Na segunda-feira, o dia em que o Giga não acordou, na porta do ateliê da Renata, sua mulher, o povinho da Vila Madalena se detinha embasbacado. Amoladores de faca, barbeiros, tomadores de conta de carro, gente que fica na rua. “O Gigante morreu?” O cara andava pelo bairro e todo mundo o conhecia. Todos os músicos que apareceram ali ou no velório, mesmo sem se conhecer, entoavam um monótono “eu toquei com o Gigante, e não tem igual”. Os instrumentistas que dividiam com ele a “missa” das terças em Moema, apelido para a apresentação com várias entradas e que ia até de manhã, discutiam quem seria seu substituto – porque a “missa” tem que ter. Chegaram à conclusão que podia ser “qualquer um, já que ninguém, mas ninguém mesmo, toca igual”. De fato. Seja em qual for a formação que participou, Gang 90, os derradeiros shows com Celso Sim, as Orquídeas, Ceumar, Alzira Espíndola, Bocato, a “norinha” Simone Sou, o parceiro Paulo Lepetit, com quem criou seu único (melhor?) trabalho solo Música Preto e Branca e etc., o que se ouve é um mantra: “Não tem igual, tocar com ele é um luxo”.
Uma de suas características era tirar som de qualquer coisa. Copos de metal, baldes, batentes de porta que levava para o palco. Como dizia Lepetit quando lhe pediam o mapa de palco, “qual o kit de bateria do Gigante? Ah, o que tiver”.
O cara não era Gigante porque era grande. Era gigante. Mesmo. Gigante Brazil.