Comemoro porque estar careca quer dizer que já estou na etapa 2 de 4 para comemorar a liberdade do câncer. Estar careca quer dizer que estou me libertando. A careca mostra quem sou, como sou, do jeito que sou.
Sim, eu tive câncer. De mama – ou de peito, como eu prefiro. O diagnóstico chegou no início de março. E desde então, tenho feito uma jornada libertadora e cheia de luz. Graças, claro, à companhia inestimável de muit@s amig@s. A primeira, já me inspirava desde que a conheci, no primeiro LuluzinhaCamp: Nuna Yvanovos, minha heroína greco-brasileira, farol que me inspirou a lutar pra vencer – e nada menos que isso.
Eu tive o prazer, ao longo da minha vida – como jornalista e blogueira – de participar de campanhas de conscientização, Outubro Rosa entre elas. Por isso, enquanto esperava o resultado da biópsia, o mantra foi: câncer de mama tem 90% de chance de cura se detectado precocemente.
Detalhe: eu peguei o exame e não abri. Deixei a tarefa para o mastologista escolhido. E o resultado foi apenas a confirmação do que eu já tinha visto (e intuído) no ultrassom… Carcinoma ductal invasivo grau 2 nuclear e grau 2 histológico de Nottingham.
Choque!
Choro convulsivo.
E… força.
O câncer me curou. Curou uma depressão que estava se tornando endêmica. Curou de falta de esperança. Curou a fraqueza de não viver a vida como deveria: um medo de cada vez, um passo de cada vez, um dia por vez, uma lição por vez. Livre. Escolhendo o que acho melhor pra mim, sem medo do que os outros vão pensar.
Não existe a palavra cura quando o diagnóstico é câncer, saibam. A gente tira o tumor, toma veneno (quimioterapia), passa embaixo da bomba nuclear (radioterapia) e ainda dá mais umas cambalhotas e faz acrobacias para… continuar livre dele. Alguns conseguem, outros não. Resta a quem teve célula neoplásica (aka câncer) se cuidar. Pra sempre. E vamos combinar: a gente deve fazer isso de qualquer jeito.
Eu descobri, desde o primeiro segundo, que o importante são as pessoas que estão com a gente. Sempre. E confirmei o que já intuía: tenho amigos ponta firme, que não me largam no meio do caminho. Melhor ainda, ganhei o direito de ter um quinteto maravilhoso comigo (e o meu coringa pessoal):
A Paula Plank, minha amiga há décadas, que me ajuda, orienta, empresta sabedoria e experiência com uma generosidade única.
A Letícia, que me acolheu desde o primeiro segundo.
A Gabi Butcher que tantas vezes largou a família pra cuidar de mim.
A Denize Barros que mesmo há quilômetros é capaz de mandar litros de amor e delicadeza direto pra dentro de qualquer outro ser humano.
Minha mãe, claro, que virou meu pinhé, meu chiclete, minha sombra – mas que foi a última a receber a notícia.
E também um time de homens sensacionais e sensíveis: Pequeno Bagre, Cardoso, Bruno de André, Steve Matalon. E o meu pai, que lá de longe, faz o que pode, do jeito dele.
Tem muito mais gente pra agradecer, mas não vou listar não. Primeiro, porque corro o risco de deixar queridos de fora (quem me conhece sabe que eu sou janja). Segundo porque eles sabem quem são.
A notícia correu e me vi contando e recontando a mesma história muitas vezes. Inspirada no Spam do Amor, do Jânio; fiz o Spam do Câncer – que vai virar uma série de posts lá no Mamografia é Vida. Por lá, sim, vou falar da minha experiência, de como avaliar médicos, dos cuidados, compartilhar descobertas e pensamentos.
Sim, eu sumi da internet, dos blogs, dos grupos. Os silêncios ficaram mais profundos e próprios. Passei por duas cirurgias em quinze dias. Já comecei a fazer a quimio. Depois vem a radioterapia, seguida por remédio que tomarei por muito tempo.
Conheci várias outras mulheres que tiveram (ou estão) com câncer. Não só de mama. Intestinos, tireoide, a lista é grande… A idade não protege. Elas são exemplos de luta – e, às vezes, fonte de todo o medo.
E eu sigo como posso: escolhi fazer esta caminhada inteira, sem pedir por milagres ou intervenções divinas, vivendo na carne o que está aqui e agora.
Eu sou esta que ri.
Eu sou esta que desafia.
Eu sou esta que tem fragilidades – e as procura esconder.
Eu sou a mulher que tinha ataques de nervoso de pensar em peruca ou lenço pra esconder a careca da quimio. Depois do diagnóstico, um dos meus passatempos na rua (pra quem não sabe, eu moro muito perto do Hospital das Clínicas e do Hospital do Câncer) é descobrir quais são as mulheres fazendo quimioterapia…
Daí que a Letícia já tinha dito, no primeiro dia, que ia raspar o cabelo comigo. E a Denize, Rainha absoluta, veio ajudar na produção de belezura. E a Gabi, claro, veio clicar tudo, tudo, tudo, tudo. [Andrew e #aos8 também vieram]. E fizemos a tarde Careca is Beautiful – que foi um ritual de passagem com todo axé a que temos direito.
Eu, que já fui loira, ruiva, lisa e encaracolada, fiquei RECO!
Foi uma das melhores tardes do semestre. Um dia cheio de luz, amor e carinho. Que resultou num novo projeto, o Descabeladas. Corram lá pra entender que a gente pode sim fazer círculos virtuosos. E que a deusa nos proteja dos trolls.
E aí, quando vim escrever este post pra contar esta montanha de novidades, reencontrei dois parágrafos que escrevi em outubro de 2008 que resumem lindamente meu último recado pra vocês:
Mulheres da minha vida,
Conhecer seu corpo é seu dever, sua obrigação. Amar e cuidar dele, sua tarefa de vida. Cuidar-se é se acarinhar, ser doce consigo mesma. Não é preciso uma montanha de chocolate para tanto. Basta compaixão e paciência, um toque de delicadeza e voltar para si a gigantesca capacidade de atenção, carinho e aprendizado que temos.
Papanicolau, colposcopia, ultrassom pélvico e de mamas, mamografia, camisinha (sempre!). Estes são seus aliados – junto com os cremes, a maquiagem, o xampu.
Lembrem-se: os profissionais de saúde, às vezes, são uns canalhas mal educados – e o sexo feminino muitas vezes é mais machista que os homens. Não gostou? Troque. E um plano de saúde é sempre recomendável, porque o serviço público nem sempre cuida de nós como deve…
Estou de volta gente. Vai ter ecologia, feminices, tecnologia, reflexões, ataques de fúria. Quero voltar a escrever todos os dias. Para mim também – não só mais pros clientes. Veremos se a quimioterapia vai ajudar ou atrapalhar. Mas ela também vai passar. E a gente segue aqui, nesta roda de luz, alegria, fé e amizade.
Fotos: Gabi Butcher