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19
jul
2013

Em caso de quimioterapia, raspe a cabeça

Descabeladas, foto de Gabi Butcher

Ninguém pode imaginar o tamanho da raiva e da indignação que senti quando vi a notícia: a Marina Ruy Barbosa não quis raspar os cabelos, embora sua personagem em amor à vida seja vítima de câncer. Não basta ser chata e mimada, é preciso também ser machista. Coisa mais que real que a gente infelizmente suporta todos os dias. Pior de tudo, mesmo é ler “tipo severo de câncer”.

Eu parei de assistir a novela há semanas, porque chatice tem limite na vida – e eu tenho coisa melhor pra fazer. E me assustei, mesmo, foi com a falta de humanidade desta moça ruiva que entra na casa dos outros todas as noites. Gente, milhares de mulheres brasileiras, jovens inclusive, são diagnosticadas com câncer todos os anos. A doença é a principal causa de morte entre nós, seguida de perto pelo coração. Os principais alvos do câncer que mata mulheres são (por ordem) útero, mama e ovário.

Fiz uma tabelinha com as informações do INCA

estimativas de novos casos (2012): Número de mortes (2010)
Colo de útero 17.540 4.986
Mama 52.680 12.852, sendo 147 homens e 12.705 mulheres
Ovário 6.190 2.979

 

No Brasil, onde o sistema público não dá conta de atender a mulherada para além da gestação, diagnósticos tardios sobram. Porque câncer precisa ser detectado precocemente. Entendam: eu achei o bicho cedo, fiz cirurgia, quimio e radioterapia, mais tratamento hormonal pelos próximos cinco anos. Uma amiga encontrou um câncer parecido muito antes. Caso resolvido com cirurgia, radioterapia e tratamento hormonal.

Pular quimioterapia é bênção gente. Embora eu tenha sido corajosa e vivido cada pedacinho da experiência, dói. O tratamento é duro, difícil, exige milhões de cuidados. Como sou forte (ainda) e fui cuidada de todos os lados, eu não fui internada nenhuma vez durante o tratamento. Todas, repito: todas, as outras mulheres que conversei que foram tratadas foram internadas durante a quimio, por períodos diversos, por conta das quedas de imunidade e as intercorrências que daí decorrem.

Aí vem a mocinha bonita e coloca sua cabeleira ruiva no altar. Lembrei das Anas, Renatas, Marias. Mulheres jovens, velhas, nem tanto. Mulheres que lutaram (e venceram) por suas vidas e já tiveram alta (como a Nuna). Vencer o câncer é possível. E o cabelo NÃO SALVA. O que salva é diagnóstico precoce e tratamento correto e rápido.

Já não basta todas as que passam pelo tratamento terem que lembrar da cena da Carolina Dieckman chorando ao raspar a cabeça? Já não basta sermos humilhadas por padrões de beleza que não são brasileiros (como o desta atriz, diga-se) todos os dias? Não basta a gente ter que ralar para conseguir se aceitar como é, ter um mínimo de autoestima e lutar contra o machismo a cada instante?

Aí você tem um câncer qualquer (nem precisa ser um dos três acima, há milhares de tipos disponíveis nas células de todos) e ainda tem que se entender com seu rosto no espelho, sentir-se bem e potente durante um tratamento que é DURO!

Encontrei pouquíssimas mulheres como eu: felizes com a sua careca, de bem com a vida e com o tratamento. Quase todas, sem exceção, usavam lenços, gorros, chapeus ou perucas. Uma delas, que conheci na radioterapia, nunca deixou o marido vê-la sem peruca (que era castanha com luzes, fios na altura dos ombros).

Marina, menina. Corta tua cabeleira e doa pra mesma ONG que a Ana Erthal. Ofereça seus cabelos para a mulherada sofredora deste país. Mande fazer três perucas lindas e leve pessoalmente a um centro de atendimento a mulheres com câncer. Larga mão de ser chata, moça.

Eu vivi por meses careca. Tô detestando meus cabelos (tô detestando tudo, mas isso é assunto pra terapia). Eu venci uma luta entre a vida e a morte careca, mocinha. Cabelo não te garante nada. NADA. E vou te explicar: ele cai na quimio (depende do tipo) exatamente porque são as células do corpo humano que se reproduzem mais rapidamente (ao lado de unhas e pele). Ou seja, a velha máxima que todo mundo já escutou (e nem por isso poupa os pobres cabeleireiros deste país de ver e suportar muitas lágrimas em suas cadeiras): cabelo cresce!

Marina, você perdeu uma chance de ouro de ajudar mulheres em todo o país a viver melhor essa perda. Que não é fácil, em geral, e nos avisa que estamos sob ataque. E ao perder a sua chance de ouro, mocinha, você se queimou. Como diria uma das personagens da Gloria Peres: vais queimar no mármore do inferno. O Carrasco (Walcyr, autor da tal novela) diz que vai matar seu personagem e tu vai virar fantasma

Azar o seu. Eu sigo aqui, formiguinha, contando pra mulherada: raspar a cabeça é bacana, pode ser legal e cercado de alegria e beleza. Porque o que a gente precisa para se curar é amor e apoio.

Viva a careca!!! (e vamos fazer uma onda de bons pensamentos pra Ane que está de volta à luta).

foto do destaque: divulgação/Rede Globo.

Foto do post: Gabi Butcher

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saúde

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