Este artigo nasce de uma angústia profunda, que está hoje misturada com tristeza, também profunda. De ver as pessoas que estavam tão pertinho se distanciando. De perder contato com questões importantes – porque eu tenho muitos interesses diferentes, participo de muitos grupos ao mesmo tempo e, claro, você não tem como se aprofundar em tudo ao mesmo tempo. É uma questão de processamento – e o processamento humano é lento, porque envolve múltiplos sistemas – não são só neurônios, há músculos, sangue, digestão e ciclos envolvidos, sempre.
Como se faz uma internet livre e aberta num tempo em que todos somos, o tempo todo, capturados por verdadeiros buracos negros que sugam a nossa atenção? Quando a gente abre uma página e leva horas para dar conta de muitas atualizações, mesmo faltando boa parte das pessoas que você ama – e nem sempre dá um “curti” no post, quem dirá compartilhar?
Eu sempre amei redes sociais. Usava muito – muitas ao mesmo tempo. Twitter, Flickr, YouTube, ia criando perfis conforme elas apareciam “pra guardar o nick”. Existem @lufreitas criando muita teia de aranha digital porque nunca entro – afinal, quem dá conta de trabalhar um montão e ainda participar de 35 canais diferentes? Só robôs – e duvido que eu consiga me tornar um #aos50.
Sim, gente mais nova é mais rápida – por conta da força muscular, dos hormônios em ordem, da maior integração com o sistema que está aqui e agora. E os mais velhos, mais lentos, pensam, encontram pontas soltas, podem imaginar coisas diferentes, de outro ponto de vista. Não é só questão de idade, tem lugar para todo mundo, de todo jeito. Pra quem é íntimo do código e quem consegue escrever bem; pra quem desenha e para quem usa. Pra ensinar e pra aprender. Pra putaria, pra roubar, pra vigiar.
E aí eu começo a me preocupar. Vigilância, projetos de lei metendo a colher onde não foram chamados. O estado de alerta tem sido permanente.
A internet hoje, está na vida de todo mundo, graças à maravilha dos smartphones e da conexão via internet móvel +WiFi. E cada vez está sendo menos usada para fazer diferença. O blogueiro iraniano Hossein Derakhshan publicou um texto genial, The Web We Have to Save, no Medium. (Alerta de textão e ainda por cima em inglês). O texto me tocou tanto, tanto, tanto, que fui lá, comentei, conversamos. Ele já foi traduzido para o português pelo youpix.
Uma tradução minha para o trecho que mais me marcou:
Os blogs deram forma ao espírito de descentralização: eles eram janelas para vidas que você ignorava existirem; pontes que conectavam vidas diferentes e transformavam todas. Blogs eram cafés onde as pessoas trocavam ideias sobre todo e qualquer tópico que você poderia estar interessado. (…) Desde que saí da cadeia, entretanto, percebi o quanto o link está desvalorizado, quase obsoleto.
A coisa é muito clara para mim: a internet que criamos e fizemos foi capturada pelas grandes corporações e pelas forças modeladoras do capitalismo (leia o link antes de comentar, peloamor, não tem nada de marxista aqui). Que, sim, tentam controlar o potencial disruptivo encapsulando pessoas e seus comportamentos em lugares controláveis. E eu chego à conclusão que se a gente der um nome para quem é que estragou nosso “brinquedo”, perdemos o senso do todo e os pontos que são importantes.
Numa dimensão em que o “de muitos para muitos” é a regra, são muitas complexidades para levar em conta e é preciso um cérebro de computador para avaliar o resultado. Ou um textão, como Hossein fez e eu estou repetindo. 🙂
O que me incomoda mesmo é o tanto de projetos de lei equivocados que nascem em meio a tudo isso. Passamos a semana passada inteira – e vamos continuar – gritando contra o #PLEspião. [Se você puder, assine a petição do Avaaz e faça a sua parte para manter a web brasileira saudável] Quem tem memória lembra que já conseguimos emplacar o #MarcoCivil – e é exatamente este o problema: o Marco Civil é bom e protege os cidadãos. Imaginem aí 200 milhões falando mal do punhado de políticos? Isso se repete em todo canto – os projetos pipocam de quando em vez, nos EUA, Europa e nem vou citar o cerco real que acontece no Oriente, porque aí isso aqui não termina nunca.
Assista, abaixo, o hangout com Joana Varon, Virgílio Almeida (CGI.br), Bia Barbosa, promovido pelo Intervozes.
Com a informação à solta – e as muitas ferramentas que uso para tomar conhecimento dela – vejo perseguições se construírem, o povo aqui na rede construindo soluções interessantes e políticos tentando passar (e conseguindo) leis que destroem tudo – a favor de uns trocados de empresas ou de uns milhares de votos de uma categoria. Entendedores entenderão.
Se a internet e o acesso à informação são direitos humanos, como diz a ONU, este território precisa ser conquistado por nós, cidadãos. Porque ninguém nos chama mais de cidadão – a não ser quando estamos em viagem e nos pedem o passaporte? Somos consumidores, clientes, usuários AND antes de tudo isso somos cidadãos e cidadãs. Não importa sexualidade, credo, cor, somos todos cidadãos. E para uma boa parte de nós, a pátria é digital.
O que eu sempre cobicei, neste planeta de zeroum, foi a queda das fronteiras. Me vejo tendo que lidar com impedimentos para acessar sites em outros lugares. Eu mesma evitei muito ter domínios pontocompontobr por conta da nossa justiça tacanha. Hoje não adianta mais. De toda forma, é muito provável que você precise de um bom advogado, paciência e tempo para seguir produzindo conteúdo na internets.
Somos atravessados o tempo todo por governos dizendo que não podemos conversar livremente entre nós – quem aí conversa regularmente com um ser humano que vive na China? Ou no Irã?
Somos atrasados por algo pior que grandes e poderosas corporações – que podem nos unir nas nossas bolhinhas – a MPAA e a RIAA, frutos de um sistema de atravessamento da produção que teve, tem e terá cada vez mais efeitos negativos no ambiente digital e não dão sinal de sumir.
Temos que lidar com NSA, GCHQ, Abin (oi, tios) e quetais, que passam o tempo todo nos espionando, com autorização dos nossos representantes legais, pra garantir “a nossa segurança”. Só que continuamos a ver atentados. E a pouca segurança digital que existia, evaporou.
Os ataques não são só com bombas. DdOS; invasão de banco de dados – que inclui números de cartões de créditos à solta por aí; phishing comendo solto. Nem vale comentar as inúmeras tentativas de invadir nossos blogs, né?
Em meio a tudo isso, há luz. Ainda temos milhões de pessoas escrevendo para si mesmas – e ensinando outras a escrever. Ainda resistem grupos e projetos que mudam a cara do mundo: Cidades para Pessoas, a galera da bike, mudanças climáticas, saúde, igualdades, minimalismo. Os lugares mais bacanas e iluminantes desta vida sem fronteiras está exatamente nas iniciativas para resgatar a nossa cidadania em pequenas coisas – ir e vir, existir, ser mais consumindo menos. E estas utopias se realizam em pequenos coletivos, de centenas de pessoas, que se apoiam e constroem diferença.
Porque talvez seja genial ter milhões de usuários (ou leitores, ou views), conseguir aportes de milhões de dólares e mudar a face do mundo digital. O mais legal, para mim, é viver e ser parte da revolução que está acontecendo, aqui e agora. Não passarão. Nós passarinho.
Confira, por favor, mais sobre o #PLEspião e as outras leis que estão correndo rápido no Congresso, com objetivo de violar os nossos direitos à privacidade, à liberdade de expressão. O que eles querem? Ser esquecidos. Ou seja: todo e qualquer malfeito que tenha sido descrito nas muitas páginas pode ficar relegado ao Internet Archive (caso ele tenha registrado). E nunca mais ser visto quando alguém procurar o nome do malfeitor no Google.
Isso pode ser pior que voltar para a Idade Média – sem antibiótico, sem energia elétrica ou saneamento. Esses caras estão querendo quebrar a internet. Tu vai ficar aí sentado?
Cuidado, querem acesso a todos os seus dados
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