Hoje o Leonardo Sakamoto lançou seu livro # O que aprendi sendo xingado na internet, com debate luxuoso aqui na Livraria Cultura do Conjunto Nacional. Na roda de bate-papo, Eliane Brum, Juca Kfouri, Juliana de Faria, Nátaly Neri e PC Siqueira, além do próprio.
Cheguei atrasada, porque o lance era no horário da minha sessão semanal de análise, fiquei lá no fundão quase até o fim. Passei por lá porque precisava de alimento – e porque sou fã do trabalho do Sakamoto e queria muito o livro, descrito pelo Gregório Duvivier como um guia de sobrevivência na selva da internet.
Em tempos de polarização, muito ódio solto sem freio algum na rede, o que fazer?
Segundo Sakamoto, a resposta é educação para a mídia. Preparar pessoas para interpretar conteúdo enquanto produzem e veiculam conteúdos com responsabilidade. Preparar para o diálogo publico, com respeito ao outro. Este é o desafio que ele enfrentou nas 160 páginas que agora estão nas melhores livrarias do ramo.
A responsabilidade é de todos nós? Sim, é. Para o bem e para o mal, fazemos parte de uma rede polarizada. Do desgosto pelas notícias ao ódio declarado, à direita e à esquerda, à seleção de pessoas e fontes que acompanhamos, o dia-a-dia nos reserva uma realidade dura, recheada de violência e ataques – principalmente se você é mulher, negra ou homossexual.
A mãe de todos os ódios nos mostra Leo, é a falta de empatia. O outro, transformado em ser distante pelo avatar, absolutamente desumanizado, perde humanidade e ganha injúrias e ofensas. Ao escolher temas “leves”, me furtei de ser alvo. Toda feminista que tenha qualquer protagonismo na rede conhece bem as ameaças: morte, estupro e perseguição brotam em caixas de comentários, e-mails e atingem também os familiares.
As redes – YouTube, Facebook ou Twitter, há poucas diferenças – fazem pouco para resolver a questão. Nátaly Neri, que tem um canal Afro na rede de vídeos, viu ao vivo que o algoritmo de vigilância não percebe os absurdos que são feitos – e muito menos pune os responsáveis.
Faz sentido que os trogloditas à solta por lá tenham milhões de seguidores – que são usados sem cerimônia alguma como massa de manobra e para atacar as pessoas de quem não gostam. Sim, senhoras e senhores, da era da expressão pulverizada e das muitas possibilidades passamos à era em que a audiência é massa de manobra – usada como uma metralhadora para soterrar desafetos em comentários nojentos e ameaças.
Contra o ódio – que entendo ser direito de todos, afinal também tenho os meus – há que usar inteligência e muita educação. Porque a informação de qualidade, neste tempo em que tudo vai se conectando à rede e atendendo aos nossos comandos de voz, não basta. Há que saber, como já dito, interpretar, escolher o que compartilhar, como, e aprender a conversar sobre cada item de forma civilizada.
Pessoalmente, eu evito odiar. E mesmo assim odeio com força. Odeio essa “guerra” que vivemos – e não é só aqui – entre um lado e outro. Porque ela nos impede de conversar e pensar juntos qual o novo caminho. O mundo já mudou, as questões são complexas e dependem de conhecimentos que a gente não está oferecendo nem a nós, nem às crianças.
Do meio do ódio à “guerra” e à impossibilidade de conversa volto ao meu mundinho, fecho a porta e a janela da bolha – e calo a minha boca, porque em boca fechada não entra mosquito, como ensinou a vovó.
Dá pra ser mais. Dá pra lembrar que o outro – por mais preto, pobre e sujo – existe e tem direito à dignidade. Dá pra lembrar, sim, que estamos todos juntos à deriva detonando o planeta azul enquanto nos matamos.
A mãe de todos os ódios nasce dentro dos homens quando veem as filhas de Lilith à solta pelo planeta, marchando nas ruas, chefiando governos. A mãe de todos os ódios nasce exatamente quando você segue um ser qualquer – seja num chan, seja no YouTube – e acha que matar/estuprar resolve a questão. A mãe de todos os ódios nasce porque não, você não investiu em escola – ou pagou a escola cara pro teu filho, mas lá não tem espaço para diferença alguma.
Pra esta história ter um bom fim, a mãe de todos os ódios tem que morrer. E ela só vai morrer se você entender que pode sim ter a sua posição, mas nem por isso quem pensa/age diferente precisa deixar de existir.
O que aprendi sendo xingado na internet, de Leonardo Sakamoto, já está à venda nas boas livrarias. E na Amazon Brasil tá com descontaço – e pode ser entregue no seu Kindle, se seu aparelho for registrado no Brasil.
Foto: torbakhopper via Compfight cc