Hoje é dia de de blog action day e o tema do ano é desigualdade. Como eu moro no Brasil, vou falar de desigualdade de gênero e raça. Porque, olha, ô caldeirão misturado e racista é este país onde eu vivo.
Se você discorda, vale consultar estudo velho, a 4ª edição (2011) do Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, onde o então presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Economica Aplicada), Marcio Pochman, diz o seguinte:
As desigualdades de gênero e raça são estruturantes da desigualdade social brasileira. Não há, nesta afirmação, qualquer novidade ou qualquer conteúdo que já não tenha sido insistentemente evidenciado pela sociedade civil organizada e, em especial, pelos movimentos negro, feminista e de mulheres, ao longo das últimas décadas. Inúmeras são as denúncias que apontam para as piores condições de vida de mulheres e negros, para as barreiras à participação igualitária em diversos campos da vida social e para as consequências que estas desigualdades e discriminações produzem não apenas para estes grupos específicos, mas para a sociedade como um todo.
(…) Em um trabalho verdadeiramente interinstitucional, esta nova edição da publicação disponibiliza à sociedade brasileira instrumentos que permitem avançar no diagnóstico das condições de vida de mulheres e negros no país, bem como no monitoramento da implementação das políticas que vêm sendo desenvolvidas.
É, portanto, uma grande satisfação para o Ipea poder contribuir neste debate e, assim, colaborar para a construção de um país que enxergue nas diferenças não os determinantes da desigualdade, mas os elementos para sua superação.
A desigualdade que sobrepõe raça é cor é de uma perversidade enome. Porque veja, quem é mulher e negra (coisa de 27% da população total) é duplamente prejudicada – daí o orgulho enorme que tenho das Blogueiras Negras, que mostram o rosto da mulher negra e colocam o dedo na cara de quem é folgado.
Quase metade da população brasileira é potencialmente vítima das discriminações raciais e sofre com as desigualdades – educacionais, no mercado de trabalho, no acesso a bens e serviços. Quem diz isso é também o IPEA, na mesma publicação já citada.
Da população negra aproximadamente a metade é composta de mulheres, o que corresponde a quase 27% da população brasileira. Elas são as maiores vítimas, pois sofrem DUPLA discriminação. Dados do IBGE apontam que, enquanto os brancos têm uma esperança de vida de 71 anos ao nascer, esse valor cai para 66 no caso dos negros, distância esta que se ampliou entre 1980 e 2000.
Como achei que os dados estavam um tanto velhos, fui buscar outras fontes. E descobri que o Fórum Econômico Mundial publica, desde 2006, um estudo sobre a desigualdade de gênero no mundo. Para criar os indicadores, a entidade acompanha as diferenças entre homens e mulheres em quatro categorias: Participação Econômica e Oportunidade; Educação; Saúde e Sobrevivência; Empoderamento político. Cada uma destas categorias tem mais de 14 indicadores – cuja nota máxima é 1.
O último mapa da desigualdade, de 2013 (aqui: http://www3.weforum.org/docs/WEF_GenderGap_Report_2013.pdf), diz que o Brasil está em 62º lugar. Os cinco primeiros? Islândia, Finlândia, Noruega, Suécia e Filipinas (!) Pra vocês terem ideia, no quesito igualdade de gêneros, o Lesoto, na África, está à frente do gigante tupiniquim. Sabem onde é que a gente se entuba? Participação econômica e oportunidade e Empoderamento político. Nos outros índices (Educação; Saúde e Sobrevivência), o país tira nota máxima (considere que não foram entregues dados sobre a educação no nível médio).
Eu tô aqui escrevendo tudo isso e revivendo a cena de hoje, a caminho do trabalho: a moça loira e vistosa foi cantada por 4 (sim, quatro!) motoristas em uma única quadra (atravessar do canteiro central para a calçada e esperar um outro sinal dar passagem). Enquanto isso, elegemos o congresso mais conservador de todos os tempos, com menos mulheres (que só são candidatas pra cumprir a lei) e seguimos com taxas indecentes de violência doméstica. Sem contar as meninas que deixam de ir à escola pra trabalhar.
Só é preciso lembrar que: mulheres são metade da população, a força de trabalho que é fundamental para construir desenvolvimento e futuro. Enquanto as mulheres – de todas as cores – continuarem a ser menosprezadas (ou apenas reconhecidas por sua beleza/gostosura), estaremos perdidos no deserto. Por isso, enfrente a realidade: as mulheres são iguais aos homens, negros são iguais aos brancos. E todo mundo merece respeito e dignidade.
Tomara que eu possa, em alguns anos, publicar dados melhores. Porque nos últimos 4 anos, a gente melhorou um tanto neste quesito [Na classificação do Fórum, subimos mais de 10 posições, já]. E ainda temos um longo caminho à frente.
Presentinho pra quem entende inglês: vídeo de debate no WEF14 sobre a importância da inclusão das mulheres para o aumento da riqueza.