É hábito incurável participar de blogagem coletiva. Blog Action Day faz parte deste blog desde que eu descobri a sua existência. Este ano o tema é água – e eu já falei muito sobre o assunto, de várias formas, inclusive quando o Twestival foi lançado. Pesquisei muito sobre o assunto antes de sentar para escrever. Porque sabia que a maioria dos posts ia, sem dúvida falar em economizar água, em melhor distribuição, em soluções para os milhões de pessoas que sofrem com a falta de água em todo o mundo.
Há questões importantes que a gente nem imagina, bem pertinho de nós – e sobre as quais podemos, sim, agir. A Agência FAPESP, publicou um resumo sobre contaminantes que estão nas águas próximas de nós e a gente nem imagina. Corpos d’água de vários pontos do planeta estão sendo contaminados com diferentes coquetéis que podem conter princípios ativos de medicamentos, componentes de plásticos, hormônios naturais e artificiais, antibióticos, defensivos agrícolas e muitos outros em quantidades e proporções diversas e com efeitos desconhecidos para os animais aquáticos e também para pessoas que consomem essas águas.
Segundo o professor Wilson Jardim, do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a coisa é grave: “Em algumas dessas áreas, meninas estão menstruando cada vez mais cedo e, nos homens, o número de espermatozoides despencou nos últimos 50 anos. Esses são alguns problemas cujos motivos ninguém conseguiu explicar até agora e que podem estar relacionados a produtos presentes na água que bagunçam o ciclo hormonal”.
Medicamentos, cosméticos e produtos de limpeza são os vilões
O profeesor Jardim conta que esses contaminantes, chamados emergentes, podem estar por trás de vários outros efeitos relacionados tanto à saúde humana como aos ecossistemas aquáticos. O aumento no consumo de cosméticos, de produtos de limpeza e de medicamentos tem piorado a situação, de acordo com o pesquisador, cujo grupo encontrou diversos tipos de produtos em amostras de água retirada de rios no Estado de São Paulo. O antiinflamatório diclofenaco, o analgésico ácido acetilsalicílico e o bactericida triclosan, empregado em enxaguatórios bucais, são apenas alguns exemplos.
A esses se soma uma crescente coleção de cosméticos que engorda o lixo químico que vai parar nos cursos d’água sem receber tratamento algum. “Estima-se que uma pessoa utilize, em média, dez produtos cosméticos e de higiene todos os dias antes mesmo de sair de casa”, disse Jardim.
Sem uma legislação que faça as empresas de distribuição retirar essas substâncias tanto do esgoto a ser jogado nos rios como da água deles captada, tem sido cada vez mais comum encontrar substâncias que interferem no equilíbrio hormonal nas nossas torneiras. Pior: os filtros domésticos disponíveis no mercado não dão conta dessa limpeza. “Os métodos utilizados pelas estações de tratamento de água brasileiras são seculares. Eles não incorporaram novas tecnologias, como a oxidação avançada, a osmose inversa e a ultrafiltração”. Custa caro, né? Ou seja: sem lei que obrigue, ninguém vai fazer.
Os efeitos desconhecidos
Alterações como o odor na água são indicadores de contaminantes como o bisfenol A, produto que está presente em diversos tipos de plásticos e que pode afetar a fertilidade, de acordo com pesquisas feitas com ratos no Instituto de Biociências do campus de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
E o bisfenol A, segundo Jardim, é afeta o sistema endócrino comprovadamente, especialmente organismos em formação – nossas crianças estão em risco. Além dele, a equipe da Unicamp também identificou atrazina, um pesticida utilizado na agricultura.
Se o efeito individual de cada um desses produtos é perigoso, pouco se sabe sobre os resultados de misturas entre eles. A interação entre diferentes químicos em proporções e quantidades inconstantes e reunidos ao acaso produz novos compostos dos quais pouco se conhecem os efeitos.
Outra preocupação do pesquisador é a presença de antibióticos nas águas dos rios. Por meio do projeto “Antibióticos na bacia do rio Atibaia”, Jardim e sua equipe analisaram de 2007 a 2009 a presença de antibióticos populares na água do rio paulista. A análise, feita pelo doutorando Marco Locatelli, identificou concentrações de cefalexina, ciprofloxacina, amoxicilina e trimetroprim em amostras da água do Atibaia. A automedicação e o excesso de consumo foram apontados por Jardim como as principais causas dessa contaminação que apresenta como risco maior o desenvolvimento de “superbactérias”, muito resistentes à ação desses antibióticos.
O que você pode fazer
foto: Giovanni Orlando, em CC