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08
jun
2009

Mar de histórias, histórias do mar

Foto: Do Lar, de RVC, no Flickr em CC

Graças à sabedoria do meu avô Annibal, passei todas as férias de verão à beira-mar, no Guarujá. Pude catar conchinhas e estrelas do mar que a maré trazia. Correr atrás dos siris. Fugir das águas vivas – me pelava de medo, porque os amigos do prédio diziam que doía horrores. Imaginar jatos de água que me engoliriam. Perder o medo e ir pro “fundão” sozinha, sem ninguém – e voltar sã e salva à areia. O bacana de lembrar tudo isso, por conta da chamada da Xará, é fazer uma retrospectiva de mais de 40 anos de história de um mesmo lugar. A Praia de Pitangueiras.

No começo, eram poucos prédios. Sol o dia todo, alguns casarões antigos à beira-mar. Nos anos 80, lá pelas quatro da tarde, quem quisesse sol que fosse para Astúrias ou Enseada, porque na Pitangueiras, só havia sombra. Fruto dos prédios enormes que subiram. Ainda neste tempo, lá pra dentro – na rua do canal, por exemplo – o casario resistia, com o charme dos anos 40, 50…

Guarujá – e seu mar – embalaram primeiro beijo, ficar sentada nas pedras do Sobre as Ondas só vendo a maré subir, sentir cheiro de maresia e ficar feliz, aprender windsurfe lá no finalzão da enseada, no Tortuga; comer marisco no Perequê, andar no mar casado da praia de Pernambuco… Ir à ponta das Galhetas à pé e ver quem é que tinha coragem de mergulhar, conhecer ouriços in loco, mariscos na pedra. Fazer competição para ver quem chegava primeiro à ilha, na maré baixa.

Na adolescência as conchinhas já rareavam. Era tempo de cachorro na praia – e bicho geográfico no pé. O esgotão saía solto no mar… o que era vivo foi morrendo, devagar, sob o olhar indiferente dos veranistas. As caminhadas de ponta-a-ponta (mania de família) passaram a ser marcadas por longos pulos e um “arght” quando os pés tocavam no esgoto que todos produzíamos.

Em compensação tinha festival de verão e eu assisti um show inteirinho do Gilberto Gil embaixo de chuva. E depois, como a gente já estava pra lá de molhado, o grupo inteiro aproveitou para dar um mergulhão antes de voltar pingando para o fim da praia… 😀

Meus irmãos caçulas já não puderam ver as estrelas do mar, conchinhas eram poucas. Restava-lhes construir castelos gigantescos na areia. Conforme os prédios subiram, a sujeira aumentou. E eu ficava lá no janelão do décimo andar (o Sobre as Ondas tem uma das melhores vistas EVER do Guarujá) só olhando os garis com seus rastelos tentando dar sumiço nos papéis e palitos de sorvete, sabugo de milho, garrafas, bitucas (imaginem aí o que mais…) e colocar tudo em gigantescos caminhões basculantes. Para onde será que ia aquele lixo todo?

O mar continuava lá. E a sua cor mudava. Do verde esmeralda da infância para um verde escuro. Havia dias – principalmente os de chuva – em que o marrom tomava conta de tudo. Feio. Triste. Mas havia os bons dias, em que os mergulhos eram ótimos, limpos. Pitangueiras já não tinha estrelas do mar à beira do mar. Já não era possível caçar peixinhos e devolvê-los ao mar.

Em algum momento do caminho, o progresso chegou na forma de calçadão. Antes, no caminho do Centrinho, a gente ia encontrando os conhecidos na muretinha baixinha de cimento – ou caminhando em cima dela mesmo. Algo meio urbano, meio praieiro. O calçadão afastou o povo da areia, cortou todos os chapéu de sol daquele lado da rua, mas preservou o lugar para olhar o mar. E para torcer pelos times de vôlei no fim da tarde. A rua, em geral, era puro congestionamento. Mas a gente ia a pé ao cinema, tomava café no Café do Ponto, jogava fliperama (yeah), passava na Kopenhagen e comprava chumbinho, tomava sorvete na Alaska.

E o Guarujá foi crescendo. Eu cresci. Vi matas derrubadas nas encostas para prédios subirem. A biquinha sumiu, privatizada num prédio feio. O mar morreu – os pescadores da Ponta das Astúrias, onde a mãe ia comprar peixe logo cedinho, um dia não estavam mais lá. Os peixes já não estavam mais tão perto assim.

Cresci, ganhei independência e resolvi: eu gosto de praia selvagem – e vazia, que ninguém merece ter que caminhar desviando de marombado(a). Descobri a estradinha de terra e areia que levava para o norte – depois virou Rio Santos. Mudei de ares. Ia a Paúba – e era uma aventura, atravessar o Rio com a mochila, e talz. Aí veio a Rio Santos. Dançou a aventura. Maresias, de vilinha de pescador, virou hype.

Em 99 fui virar o milênio numa praia então desconhecida: Maraú. Avião até Ilhéus, três horas de viagem (boa parte em estrada de terra) e pronto: o paraíso. Lá, neste tempo, já havia pousadas que usavam energia eólica e solar, tratamento de esgoto direitinho e o volume de visitantes era mínimo, principalmente de baianos em veraneio. Celular? Só no morro do celular… A história era rádio, muito vento, muitas ondas, muita palmeira, mato e praia juntinhos, como deve ser. Já era, meus anjos. O desconhecido virou fashion e ganhou resort chique. E assim caminha o homem à beira mar: vê natureza, constrói sem pensar e, sem querer querendo, detona tudo. Até quando? Até quando?

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ecologia, Rede Ecoblogs

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