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26
nov
2008

Uma hora com Saramago

Saramago

A Fundação Mapfre trouxe para o Brasil, nesta semana, o blogueiro mais Prêmio Nobel de todos: José Saramago. Sou fã de sua literatura difícil, das frases trabalhadas e loooongas, dos parágrafos gigantescos que nos levam a um estado reflexivo, onírico e, em geral, sereno.

O carinho por este senhor cresce, à distância. Em seu blog, os textos maravilhosos não permitem comentários, não recebem os pings. Este último fato, principalmente me causa enorme dor, já que provavelmente nos levaria a conhecer uma vastidão de blogosfera lusófona, que nem sempre aparece.

Enquanto muita gente lutou contra rankings, hoje eu tive o prazer de participar da coletiva de imprensa, no Consulado de Portugal, com direito a pelo menos três homens notáveis ao redor do escritor. Conferência, como bem disse o autor. Entrevista coletiva com hora contada, onde todos ignoramos solenemente o trabalho que parece sensacional de Fernando Gómez Aguillera (a exposição e o livro A Consistência do Sonho); a presença de Schwarcz, da Cia das Letras e até mesmo de Ricardo Ohtake, diretor do Instituto Tomie Ohtake, onde acontecerá a exposição (gratuita).

Uma aula de português, de história, de política, de economia, de humanidade encarnada. Fui quase como representante do Ecoblogs. Em vários momentos emocionei, tocada por imagens, histórias e experiências generosa e serenamente contadas. Os efeitos ainda estão cá comigo.

Primeiro detalhe: a pergunta que fiz ao Saramago “o que é vida sustentável?” – e que deu numa linda resposta, registrada com o auxílio do presidente da Fundação Mapfre, Cássio, que anotou tudinho – estará na íntegra no Escriba, que a postará no Ecoblogs também. Aqui, fica só o trecho onde eu tive a ajuda inestimável de “nosso presidente”.

É emprego. É viver como sobreviventes, consciente da precariedade dos bens, poupando, não desperdiçando; enfim assumindo a abordagem de sobrevivente. É preciso limpar terreno, ar, de modo que se possa viver.

Sobre o novo livro, A Viagem do Elefante[bb]:

Eu comecei a escrever no ano passado. Quando tinha umas 40 páginas, adoeci e fui para o hospital. Em fevereiro, era uma sombra de mim mesmo. Pesava 50 quilos quando o meu normal são 70. Saí e cheguei a dizer que não vou acabar o livro. Minha mulher pedia aos médicos mais três meses para acabar o livro. Dois dias depois já travalhava no livro de onde tinha parado. Tudo que queria escrever até o fim estava nas primeiras páginas. A história queria ser contada daquela maneira. Os dados históricos caberiam em uma página, o livro é todo invenção. Eu sou o autor e tenho muito menos autoridade do que se pensa.

(…)

Nas primeiras 40 páginas já havia o casamento do português de hoje com o português que deve ter sido escrito no século XVII. Apareceram palavras que nunca usei. Nós vamos vivendo e dentro de nós acumulando sedimentos linguísticos.

Estar à beira da morte mudou algo?

Não acentuou-se a serenidade que eu já tinha.(…) Uma boa doença vale para toda a obra do Paulo Coelho.

Anotações soltas enquanto eu twittava para a galera:(alegrei-me com os muitos retwitts…)

Com 23 anos eu era capaz de escrever num português correto. Fui fazendo o escritor que sou. Poderia acontecer que, se tivesse vivido de outra maneira não teria um Prêmio Nobel.

Falando do blog/internet:

Troca de idéias, revolução pela internet? Não se vê como. Se em três anos teremos a liberdade que se tem hoje não se sabe. Há uma questão central: quem está no poder? Não importa onde, estamos nas mãos deles. Vocês sabem de quem estou falando. É impossível uma alternativa econômica sem alternativa política. Socialismo é suspeito. Liberalismo é suspeito. Não há alternativa política, é preciso conquistar um poder se quisermos mudar alguma coisa. Podemos marchar hoje, levantar nossas bandeiras, mas se ninguém fala, a manifestação não existe. Como criar uma alternativa política?

Os sonhos do homem e do escritor; Portugal está muito parecido com seus livros:

Somos sete mil milhões de pessoas. Quantas estão na delinquência? É como vivemos. E aceitamos. A corrupção chega a tal ponto que chegou à linguagem.
Bondade: que estupidez é esta de ser bom? ninguém se arrisca a dizer que quer a bondade. Não sou exceção, mas ser bom, querer ser bom é apresentar-se como voluntário para a eliminação. como chegamos a isso? Em maio de 68 houve uma revolução, o velho saiu o novo surgiu e a frase É proibido proibir estampou os muros. Isso contribuiu para chegarmos onde chegamos. Há crise de autoridade, crise na família (lugar central, delicadíssima), crise na escola. Proponho isso à reflexão. Talvez a questão esteja muito nesta frase “É proibido proibir”. Alguma vez se imaginou que os pais tivessem medo dos filhos? Os filhos fazem o que querem e vão acertar as contas com a vida.

sobre a reforma ortográfica:

Já escrevi mãe com e no final, com i, depois voltei a escrever com e. Não importava, minha mãe estava lá, a mesma. Não importa a palavra, importa que nos comuniquemos. Ontem, fui dar um autógrafo e a moça falava o seu nome e eu não entendia. Ela repetia e eu não entendia. De algum lugar me veio o nome Thaís. A Thais dela não era a minha Thaís. É preciso ter tolerância, a língua portuguesa é toda língua seja qual for o lugar em que ela fala, é importante que seja inclusiva, termos um exercício de tolerância que, espero, seja positiva.

O que está em primeiro é o grau de educação que se dá.

Sobre suas leituras:

O mais importante não são os autores que leio. São os autores que li. O escritor que sou devo tudo às leituras dos clássicos portugueses: Padre Antonio Vieira, Antero de Quental, Almeida Garret. Em Viagens da Inglaterra vi uma luz a seguir. Na literatura estrangeira, Kafka, sem dúvida o maior dos modernos, Proust, Borges, Fernando Pessoa. Como é que parimos aquele homem?

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