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18
fev
2016

A minha experiência com o SUS

Mudar

Não foi uma decisão fácil. Mas do alto da conta de quase dois mil reais para pagar um plano de saúde empresarial com mais 3 pessoas – que não contribuíam com suas partes – e sem dinheiro para comer e pagar outras contas, eu decidi cancelar o tal SulAmerica e usufruir, depois de quase meio século pagando impostos, do que tenho direito: a tal saúde pública.

Isso foi lá para os idos de 2014, auge da crise financeira aqui no meu pedaço. Eu tinha (e ainda tenho) a espada do medo do câncer voltar encostada no pescoço. Sim, foi por conta do câncer, que deu uma certa desestruturada na pessoa, que ficou um bom tempo perdida e sem rumo – não que agora tenha, mas já estou bem melhor tanto psicologicamente (vinte mil salves pro André Gaiarsa e pra Regina Favre); como física e financeiramente.

Fui lá no Centro de Saúde Escola Geraldo Paula Souza, que é da Faculdade de Saúde Pública da USP. Até que consegui consulta rapidinho (na semana seguinte) e o médico não me encaminhou imediatamente, mas pediu exames de acompanhamento. Eu fiz e voltei exigindo o tal especialista – porque não, seguimento de câncer de mama não é pra ser feito por GO, mas por mastologista e oncologista. Com o pedido em mãos, o funcionário fez o cadastro, eu voltei pra casa e, quatro meses depois nada tinha acontecido.

Até que a santa da Babi Maués me deu a solução: liga no 136 e conta o teu drama. Resultado: o Ministério da Saúde deu um mega puxão de orelha em todos e eles correram para resolver o problema. Uma pediatra simpática telefonou do posto, dizendo que não tinham equipe blablabla whiskas sachê. Na conversa descobri que não fui a única prejudicada, eles quase cegaram duas outras pessoas. Em três dias tinha encaminhamento pro serviço especializado, no IBCC (Instituto Brasileiro de Controle do Câncer), lá na Mooca.

Isso levou um ano – a primeira consulta no centro de saúde foi em julho de 2014, a primeira no IBCC em julho de 2015.

[abre parênteses] Sim, passei um ano em agonia, sem nenhum acompanhamento especializado. O Geraldo Paula Souza não responde nem à Secretaria de Estado nem à Municipal, o atendimento, que poderia ser bom é pra lá de burocrático, os funcionários do balcão são mau humorados e especialistas em mandar o cidadão voltar outra hora (com raras exceções). Tenho raiva, ódeo e horror de ter que ir lá pra marcar consulta, fazer vacina, o que seja. Mas é lá que começa, sempre, a minha jornada dentro do sistema, para o que quer que eu precise. Não, a vida não é fácil. [ fecha parênteses]

A esta altura, as minhas condições financeiras já tinham melhorado um tanto – mas ainda não cabe um plano de saúde. Como quem ganhou remissão de câncer de mama não desiste nunca de lutar, fui em frente. No IBCC o atendimento é melhorzinho – mas é sofrível e não chega aos pés do que tive com os meus fiéis escudeiros durante a quimio, radio, cirurgias e quetais.

A esta altura, boa parte da audiência já sabia que eu era a pessoa que saiu do convênio para ir usar o SUS. A Flávia Valsani, me perguntou sobre o SUS em janeiro, no inbox. E eu respondi exatamente o que se segue.

Amor, olha, seguinte: SUS é bacana, mas vai ser um lugar bem complicado neste ano (e nos próximos). O Sistema depende de grana, os governos estão todos quebrados e a prioridade, claro, não é saúde. O que está acontecendo no RJ tende a acontecer em todo canto. Procê ter ideia, no IBCC eles me davam remédio (tomo todo dia, uso contínuo) pra 3 meses. Agora é todo mês. O Sistema funciona relativamente bem para coisas simples – vacina, distribuição de remédio. Conseguir vaga no ginecologista, p.ex, pode ser um susto (depende do posto que te atende). Juro que não sinto falta de gastar uma bala em convênio/plano. Mas sinto falta do conforto e de ser uma paciente. No SUS, em vez de fazer todos os exames em um dia só, a gente tem que ir e voltar 30 vezes – e eu tenho um “mega conforto” dentro do sistema, porque estou tratando no centro especializado.

A experiência de usar algo que a gente paga todo mês é bacana, sim. Eu sugiro que você descubra qual é o posto/UBS que atende a sua casa, vá lá e faça a sua inscrição (além do cartão SUS, tem que ter inscrição no posto, pra quê facilitar?). Aí marca gineco, por exemplo, e veja como acontece para você. O Sistema não é uniforme, não atende todo mundo igual.

Enfim, acho que a gente tem sim que usar SUS, porque é esse o sistema básico que vai ter que atender todo mundo no futuro (a situação dos convênios será insustentável a médio prazo, pelo que estou entendendo). Mas sempre tem os qualicorp da vida que permitem que você continue num plano coletivo através de associações de classe. Os reajustes são mais pesados, mas costumam funcionar bem, meu anjo.

Tem uma saída pra saúde pública (aka SUS) no Brasil?

Não sei, minha gente, não sei. O que sei, sim, são os prós e contras:

Qualidades do sistema público:

– atendem muita gente, com um padrão mínimo (que é baixo para quem tem um bom acompanhamento médico, como eu tive a vida toda) e seguem a cartilha de cuidados muito direitinho;

– Tem remédio para todo mundo (só os tratamentos que eles oferecem, que não são os de ponta, mas tem).

Defeitos do sistema público:

Burocracia dos infernos. Não dá pra marcar por telefone, nada. O sistema é universal, mas trata o cidadão como uma bolinha de pingue pongue – haja tempo pra ir lá marcar (no posto de saúde, o horário de marcação é diferente do horário de atendimento médico, que é diferente do horário da farmácia, que é diferente do horário do laboratório). Os exames nunca são feitos de forma racional e otimizando o tempo do paciente (exemplo: marcam mamografia num dia, local e hora; ultrassom de mama em outro – coisa que está disponível, sempre, no mesmo lugar, por questões técnicas).

Sistemas não se comunicam. Sim, o sistema funciona, mas é burro e lento. E o da prefeitura não é integrado ao do Estado que não conversa com o banco de dados do Ministério da Saúde. Usar tecnologia pra quê né, minha gente?

A fila. Sim, prepare-se. O sistema é universal e veja, tem gente pra caramba no Brasil. Haja fila. Haja espera. Haja paciência. E se você fica de mau humor, prepare-se para ser maltratado, porque né, eles estão fazendo um favor (#sqn).

Saúde mental? Não, não trabalhamos. Ainda estão devendo (muito) atendimento psicológico e psiquiátrico. Quem precisa não tem, é um drama, vive passando mal.

Um amigo médico otorrino confirma que a especialidade também não existe no Sistema Público. Falta médico, é complexo. Mas não tem. Então otites e companhia – ninguém tem rinite alérgica em São Paulo, né? – ficam sem atendimento ou são atendidos por não especialistas depois de esperar por longos tempos.

Informação? Não, não trabalhamos. Todos os hospitais que frequento (IBCC, HC-FMUSP) são bastante mal sinalizados – o Geraldo Paula Souza também; o sistema exige cadastros, agendamentos e horários livres – afinal, já que estão te fazendo o favor de atender, tem que ser na hora que decidem. Ninguém te pergunta qual o melhor horário pra você, paciente.

Mas vejam vocês o tamanho do sistema:

O SUS tem 6,1 mil hospitais credenciados, 45 mil unidades de atenção primária e 30,3 mil Equipes de Saúde da Família (ESF). O sistema realiza 2,8 bilhões de procedimentos ambulatoriais anuais, 19 mil transplantes, 236 mil cirurgias cardíacas, 9,7 milhões de procedimentos de quimioterapia e radioterapia e 11 milhões de internações.

Outra coisa: não confie no horror que se vê na TV. O serviço é bom? Não, não é. É razoável, está cheio de problemas e falhas, como quase tudo aqui no Brasil. E vamos lembrar que é este sistema que está cuidando da saúde de cerca de 80% da população brasileira.

Vejam o trecho que encontrei no portal do CRM:

O SUS atende a 80% da população brasileira, aproximadamente 150 milhões de pessoas, e consome 45% do total de gasto com saúde no país. Enquanto o setor de saúde suplementar, representado pelos planos de saúde, tem 40 milhões de usuários, que representam 20% da população e consomem 55% desse total de gastos. Esses dados demonstram sobejamente a necessidade de um financiamento melhor para o sistema público.

Nos últimos 20 anos, a União diminuiu sua participação total nos gastos com a saúde de 75%, em 1980, para 49%, em 2005, enquanto que os municípios e estados saíram de 25% para 51%. Com isso, podemos constatar que a União, proporcionalmente, diminuiu significativamente o seu financiamento para a saúde nesse período.

Hoje, o Brasil investe menos na saúde do que a Colômbia, Venezuela, Argentina, Cuba e Uruguai, isso em se falando de America Latina, pois nos países desenvolvidos se investe muito mais. Este quadro de desfinanciamento do sistema público começou a gerar impasses naturais para o crescimento do SUS, da infância à adolescência, não conseguindo a implantação das suas propostas iniciais.

Se compararmos o SUS com o sistema de saúde do Canadá, da Suécia ou ao NHS inglês, é uma meleca. Eu acho que tem salvação, que é um jeito viável de cuidar da saúde – principalmente em SP – mas sei que o SUS não funciona igual nem no Estado de SP inteiro, que dirá no Brasil.

Enquanto a gente não muda para São Caetano (ou Toronto), é o que tem pra hoje. E só com o envolvimento de todo mundo isso aí anda.

Assim que eu conseguir fechar mais um ou dois clientes fixos, adivinhem qual será a providência? 🙂

Atenção: o texto acima se ampara no direito fundamental à manifestação do pensamento, previsto nos arts. 5º, IV e 220 da Constituição Federal de 1988. Vale-se do “animus narrandi”, protegido pela lei e pela jurisprudência (conferir AI nº 505.595, STF).

Fotos: destaque – NBRTV, CC; Mudar, minha.

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Brasil, saúde

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