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02
ago
2013

A grande imprensa, os ninjas e os black blocs

foto: Rodrigo Zaim / Mídia NINJA

foto: Rodrigo Zaim / Mídia NINJA

Daí ontem teve manifestação de novo. Eu ouvi o helicóptero, acompanhei um pouco pelos relatos dos queridos @Tsavkko e @aprevidelli que fizeram um trabalho bacana na rua, como sempre. E não vi algo que foi o que me tocou (além do símbolo anarquista pichado no Mcdonalds). Até que soube que a equipe da Bandeirantes foi agredida. Eu tenho pensado e conversado muito sobre o Black Bloc, o seu sentido, o efeito que ele tem de esvaziar o movimento nas ruas (para além das chamadas fracas, que interessam a pouca gente).

Em tempos de mudança e chacoalhão, imprensa é importante. Sempre foi. Só que hoje, com nossos smartphones, nós também temos câmeras e podemos registrar tudo. Estão aí os Ninjas, mais um punhado de outras pessoas transmitindo o que acontece nas ruas. Eu fico feliz, como sempre, porque foi isso que vi na rede há 20 anos, quando conheci a invenção de sir Berners-Lee.

Vamos por partes.

A imprensa

A imprensa brasileira faliu. Os profissionais estão lá, trabalhando nas redações, sendo massacrados com o medo dos “passaralhos” (os cortes de pessoal) que só este ano já fizeram muitas vítimas (ontem mesmo foram mais de 150 demitidos na Abril). Pessoas altamente qualificadas, com quem trabalhei, estão no olho da rua. Ao contrário de mim – e de outros – estavam lá cumprindo a sua vocação: contar o que testemunham ao grande público. Apostaram que a sua expertise e qualidade seriam valorizadas. Não foram, não são, não serão. O tosco capitalismo à brasileira não sabe o que fazer com qualidade.

Cada vez mais o que vejo nos cortes: os mais velhos, mais experientes e melhores são os primeiros a ganharem o bilhete azul. E, pior, em geral não entendem o que acontece aqui nessa “baderna” chamada internet, da qual conhecem só pequenos pedaços, da qual perderam o melhor – que é conhecer pessoas e torna-las amigos, companheiros, gente que ajuda a construir conhecimento.

Os grandes veículos tendem a confiar na Polícia, a divulgar suas histórias sem questionar, cortam exatamente o pedaço da informação que a gente tem vontade. Esqueceram que contar a história inteira, no espaço disponível, é o valioso. Dão espaço a Datenas, Leiferts e panicats. Cortam páginas e pessoal. Fecham conteúdo. Uma sequência histórica de “pequenas” ações que foram se acumulando pra entregar sempre menos, pior e mais pobre.

Os blogueiros (que já foram chamados de macacos pelo Estadão) são hoje os ninjas, os que têm todo espaço e meio à sua disposição para prestar serviço, entregar notícia, contar histórias. Detalhe: pagam poucos reais e podem ter tanto (ou mais) alcance que a mídia “tradicional”. Seu conteúdo continua aqui, indexado pelo Google. Mais que isso: habitantes digitais e digitalizados, os internautas hoje têm todas as ferramentas para processar informação e entregar resultados aos seus leitores. E assim vão construindo suas reputações, enquanto a grande mídia cai nos clichês fáceis do vandalismo, da baderna. E perde.

Há que dizer, como contraponto, que as condições de trabalho dentro das redações só fazem piorar. Além de salários mixos, os jornalistas têm jornadas de trabalho extenuantes (12 horas para cima), pouquíssimo tempo para parar e pensar, tendem a se fechar em grupos de jornalistas. Vejam, é uma generalização, uma média, uma tentativa minha de entender o que está acontecendo nas redações, que não frequento há muito tempo. (Ainda bem).

Eles não usam o transporte público, raramente vivem o que a população vive no seu dia-a-dia. Estão longe das pessoas, são celebridades e pessoas públicas (principalmente os da tevê). Têm à sua disposição carro, equipe, uma infraestrutura que foi aperfeiçoada em muitas décadas para produzir notícias.

A rede

Enquanto isso a rede, a digitalização, os gadgets e os aplicativos vão mudando o mundo. A gente faz como pode e dá na telha, testa, experimenta. Se liberta, cria outros horizontes e tenta se entender com a mudança. Um ouve o outro, acontecem debates, informação é trocada e conhecimento construído.

Ao contrário do que muitos acreditam, nenhum outro meio deixa mais “pistas” e é mais rastreável que a internet. As redes são controladas OU por departamentos governamentais de governos de todo o mundo OU por grandes empresas que, como sabemos, fazem questão de colaborar com os governos (aos desavisados: Google, Yahoo!, Microsoft e Apple participam dos programas de monitoramento).

Aqui nascem os softwares livres. Aqui tem deep web (a rede profunda, saiba mais aqui). E também tem o fundúncio do Facebook, da instantaneidade do Twitter, a graça do coletivo mótil, graças aos nossos celulares cheios de capacidade.

A violência, essa grande novidade

Dizem por aí que a polícia de São Paulo é a mais bem treinada do Brasil. Imaginem o que é viver no Rio… Na minha última visita, em dezembro do ano passado, me espantou o nível de barbárie da vida por lá – que os moradores não percebem, para meu espanto. Um comentário de um amigo, que passou uns meses na Europa: “Impressionante como viver sem medo é bom e reduz o estresse”. Sim, a gente vive com medo: do roubo, do outro, da polícia. Do estado, que não cumpre a sua parte; do médico, que é ruim; do professor, que não entende. Tem medo da empresa que contratou, que provavelmente não vai entregar o combinado.

Nesse contexto, os Black Blocs se justificam. São uma expressão da raiva, da impotência, do beco sem saída. E, claro, a grande imprensa também é um dos seus alvos. E ela não consegue entender o porquê. Afinal, eles estavam lá, registrando, fazendo o seu trabalho. Só que nos intervalos, nos programas, nos relatos, eles compactuam, de forma sutil e persistente, com tudo o que não funciona.

A imprensa seria, sim, uma grande força. E não é.

A grande força são os ninjas – que hoje transmitem ao vivo, ontem eram os magos do código e amanhã serão algo que ainda estamos gestando.

Caso as coberturas na grande mídia mudem, como mudaram durante os protestos de junho, talvez eles ganhem o apoio de quem está na rua. Enquanto os repórteres caírem na armadilha de ver o superficial (“baderna”, “vandalismo”, “impedir o ir e vir”) e os editores e donos reforçarem esse tipo de balela, continuarão a acontecer as tristes cenas de carros de reportagem e motolinks depredados, repórteres atacados.

De todo jeito, hoje a minha solidariedade está com o Fabio Pannunzio, repórter que está na Band há mais de 20 anos, homem íntegro e que faz o seu trabalho. Trabalhador no exercício da função não pode ser atacado.

Vamos aqui registrando pra ver onde vamos dar.

P.S.: entre eu terminar a revisão e vir publicar, pipocou link da Carta Capital entrevistando um dos Black Blocs, vale a leitura: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/201cnao-ha-violencia-no-black-bloc-ha-performance201d-9710.html/

P.S.2: depois de escrever o texto e me solidarizar com o Fabio Pannunzio, fui ler o moço… afff haja reacionarismo. My bad!

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Categorias:
jornalismo, web/blogosfera

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